<i>Não passarão</i>

Luís Carapinha

In­ten­si­fi­cação do an­ti­co­mu­nismo e re­pressão coin­cide com a es­ca­lada mi­litar

Vive-se tempos pe­ri­gosos no mundo e a Eu­ropa não é ex­cepção. Atente-se na Grécia e na po­lí­tica e en­gre­nagem da troika que pros­segue com zelo fe­lino a as­fixia eco­nó­mica e fi­nan­ceira do país, so­cial e eco­no­mi­ca­mente des­tro­çado, pre­pa­rando o ter­reno para um even­tual ce­nário de di­ta­dura di­recta do ca­pital fi­nan­ceiro. Mas é na Ucrânia que o recuo an­ti­de­mo­crá­tico ad­quire hoje ní­veis e pro­por­ções ainda mais dra­má­ticos. A po­lí­tica de Es­tado de caça às bruxas é hoje ali uma re­a­li­dade cada vez mais in­qui­e­tante. Sob o olhar com­pla­cente das «de­mo­cra­cias oci­den­tais», a Junta oli­gár­quica saída do golpe da Maidan re­corre ao terror como arma de in­ti­mi­dação e re­pressão po­lí­ticas. De­pois do odioso pa­cote an­ti­co­mu­nista apro­vado pelo par­la­mento ucra­niano a 9 de Abril, pros­segue a série de as­sas­si­natos de an­ti­fas­cistas e ad­ver­sá­rios do ac­tual poder. Aperta-se a tar­raxa não só a qual­quer ex­pressão de pen­sa­mento crí­tico di­ver­gente como às ma­ni­fes­ta­ções de des­con­ten­ta­mento so­cial que se vão mul­ti­pli­cando numa Ucrânia en­tregue ao re­cei­tuário drás­tico do FMI. O re­gime di­ta­to­rial usa como álibi a guerra civil e as ame­aças à in­te­gri­dade do país, como se não fosse ao poder an­ti­pa­trió­tico de Kiev e aos seus amos e pa­tro­ci­na­dores de ambos os lados do Atlân­tico que cou­bessem as grandes res­pon­sa­bi­li­dades da di­visão na­ci­onal e es­ca­lada san­grenta do con­flito ucra­niano. En­quanto o Don­bass per­ma­nece sob blo­queio eco­nó­mico e fi­nan­ceiro – só as bombas con­ti­nuam a passar –, a his­teria anti-russa não dá tré­guas e as forças na­ci­o­na­listas pró-nazis são con­ver­tidas em he­róis; não se perca também de vista o muito subs­tan­cial festim pri­va­ti­zador e de re­di­visão da pro­pri­e­dade. Po­ro­chenko (que ao eleitor in­cauto pro­me­tera deixar os «ne­gó­cios» assim que as­su­misse a pre­si­dência) au­menta os seus ac­tivos, mas é ao ca­pital fi­nan­ceiro trans­na­ci­onal e às mul­ti­na­ci­o­nais que se pro­mete o grande qui­nhão da pugna em curso. Exemplo disso é o saque em pers­pec­tiva das fér­teis terras ne­gras ucra­ni­anas, que se en­con­tram na mira dos grandes in­te­resses do agro­ne­gócio dos EUA.

Na si­tu­ação tra­çada res­salta par­ti­cu­lar­mente a cam­panha de ajuste de contas mo­vida contra o PCU e os co­mu­nistas ucra­ni­anos (na sua to­ta­li­dade alvo já de 400 pro­cessos ju­di­ciais de dis­tinta na­tu­reza, entre os quais o pro­cesso prin­cipal que ainda corre vi­sando a proi­bição do PCU). Esta é também uma cam­panha de de­men­cial ajuste de contas com a his­tória do sé­culo XX, com o pas­sado so­vié­tico que a Junta pre­tende a todo o custo apagar. A lei, ainda não pro­mul­gada, que cri­mi­na­liza o poder so­vié­tico, igua­lando-o ao na­zismo, e proíbe os sím­bolos e a pro­pa­ganda co­mu­nista é mais um pre­ce­dente pe­ri­goso no ca­minho «eu­ropeu» de cer­ce­a­mento da li­ber­dade e di­reitos fun­da­men­tais. E cons­titui um in­sulto à me­mória dos mi­lhões de ucra­ni­anos que deram a vida pela li­ber­tação da Ucrânia e a der­rota do fas­cismo na II Guerra. A sua apro­vação pela Rada acon­tece pre­ci­sa­mente a um mês do 70.º ani­ver­sário das co­me­mo­ra­ções da Vi­tória sobre o nazi-fas­cismo, para a qual os co­mu­nistas e a URSS deram um con­tri­buto de­ter­mi­nante.

A in­ten­si­fi­cação do an­ti­co­mu­nismo e re­pressão coin­cide com a es­ca­lada mi­litar no Don­bass, com Do­netsk a ser palco dos pi­ores bom­bar­de­a­mentos desde a as­si­na­tura do acordo de cessar-fogo de Fe­ve­reiro, co­nhe­cido como Minsk II. Acon­tece também no mo­mento em que cen­tenas de mi­li­tares de uma uni­dade de elite dos EUA de­sem­barcam na Ucrânia. Par­ti­ci­parão em exer­cí­cios e na ins­trução da Guarda Na­ci­onal, o corpo mi­litar que ab­sorve muitas das forças ne­o­nazis que par­ti­ci­param no golpe de es­tado da Maidan. O im­pe­ri­a­lismo pros­segue a agenda es­tra­té­gica de de­ses­ta­bi­li­zação da Rússia. Sem es­quecer a China. Ventos pe­ri­gosos de guerra con­ti­nuam a so­prar desde a Ucrânia. Mas no do­mingo, em Kiev, no fu­neral do jor­na­lista an­ti­maidan as­sas­si­nado dia 16, as largas cen­tenas pre­sentes gri­taram: o fas­cismo não pas­sará!




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